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Rafael de
Falco Netto

O propósito desses escritos é esclarecer por que fiz tudo isso, por que lutei contra a ditadura. O fim dessa luta era defender a democracia, num primeiro momento, como a maioria dos estudantes desejavam; depois alcançar o socialismo como

nós, os estudantes comunistas, sonhávamos.

Sobre

Rafael de Falco Netto nasceu em 22 de maio de 1946, em Descalvado/SP. Foi presidente do Grêmio Estudantil entre 1957 e 1961, em sua cidade natal. Em 1965, ingressou na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), onde cursou até o terceiro ano, interrompendo os estudos devido ao contexto político e pessoal da época. Em 1967, foi eleito presidente da Associação dos Universitários Rafael Kauan (AURK). No mesmo ano, em novembro, foi escolhido presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, em uma histórica eleição direta, a única realizada entre os estudantes paulistas até aquele momento.

Rafael de Falco Netto foi preso entre setembro e outubro de 1968, durante a repressão da ditadura militar, pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Durante esse período, mesmo detido, foi eleito vice-presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo, assumindo a presidência da organização em julho de 1968, após a prisão de outros líderes. Foi libertado em dezembro de 1968. Em 1969, foi candidato à presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), mas foi preso novamente, em 13 de julho de 1969, pela Operação Bandeirante (OBAN), e banido pela ditadura. Em janeiro de 1971, foi libertado no Chile, onde buscou refúgio. Posteriormente, foi exilado na embaixada da Argentina, em outubro de 1973, e em Cuba, no mês seguinte.

Em 1975, Rafael de Falco Netto formou-se em Engenharia de Produção pela Universidade de Havana. Em outubro de 1979, retornou ao Brasil, após a anistia. De volta ao país, começou a trabalhar na empresa Mercador, no setor de exportação, onde se tornou sócio. Em 1980, ingressou no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e em 1987 migrou para o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Em 1990, fundou a empresa Cetra, em parceria com sua companheira Arlete Bendazoli, e, em 2001, firmou sociedade com a Garrido Marketing, uma empresa especializada em marketing, da qual é sócio até o presente.

CAPÍTULO I

DESCALVADO

1946 – 1963

1. Uma típica família italiana

No fim do século XIX e começo do XX, a Europa passava por uma terrível crise econômica, ao fim da qual aconteceria a Primeira Guerra Mundial. Era tanta miséria e milhões de desempregados passando fome, que estavam se estabelecendo condições favoráveis para haver revoluções em vários países dessa região — dentre os quais a Itália. A solução encontrada por distintos governos europeus foi promover a emigração de milhões de trabalhadores para a América, onde se ofereciam empregos. Minha família estava entre os milhões de trabalhadores italianos que emigraram. Pouco antes, ou logo após seu casamento, meus bisavôs vieram para Brasil.

 

Eles — os imigrantes — acreditavam que receberiam terras doadas pelo governo brasileiro e assim seriam felizes para sempre. O que os imigrantes não sabiam é que iriam substituir o trabalho escravo. Depois de terem ganhado muito dinheiro com o tráfico de africanos, os ingleses estavam pressionando para extinguir a escravidão, pois seu processo de industrialização, em franco desenvolvimento desde a metade do século XVIII, precisava de trabalhadores assalariados que pudessem consumir seus produtos.

 

Meus bisavôs nasceram na Itália. Os de Falco vieram de Nápoles; os Paschoal da Sicília, os Tortella e Sinhorelli do norte da Itália. Todos vieram para o Brasil por volta de 1900. As quatro famílias chegaram separadas à Hospedaria dos Imigrantes, que funcionava junto ao Centro de Triagem dos Imigrantes de São Paulo, de onde foram encaminhados para o interior do Estado, para Descalvado, um munícipio dos mais destacados à época, seja em se tratando de São Paulo ou mesmo do Brasil. Na maioria dos casos, os imigrantes tinham profissões simples na Itália: eram pedreiros e padeiros, por exemplo. Na capital paulista, a preferência era por imigrantes de profissões mais complexas. É por isso que acredito que meus familiares foram logo enviados para o interior do Estado. Somente os de Falco foram de imediato para a zona urbana de Descalvado, as outras três famílias foram para o campo. Naquela época, Descalvado era uma cidade importante no cenário nacional: fornecia alimentos para a Corte durante o império, e era o principal produtor brasileiro de tomate e um dos principais de café. Chegou a ser visitada pelo Imperador D. Pedro II em outubro de 1886. Meu bisavô paterno, Miguel de Falco, era comerciante na Itália e continuou comerciante em Descalvado. Conseguiu ascender socialmente mais depressa que os Tortella. Estes, por sua vez, foram mandados para um sítio. A família Tortella juntou dinheiro e logo se mudou para a cidade, onde adquiriu um armazém. Meu avô materno, Silvano Tortella, tinha sido comerciante na Itália, onde teve contato com ideias socialistas. Ele influenciou seus filhos e, por tabela, a mim.

...

De Falco, o segundo da direita para esquerda.

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